quinta-feira, 28 de março de 2013

O imposto de palhota e outras rapinagens

As classes dominantes, estribadas num saber refinado ao longo de séculos, preparam-se para nos fazer pagar os seus desvarios e ociosidades com um exacerbado IMI.
Os capatazes desta pátria de negreiros seguem à risca os ditames dos seus antecessores. Daqueles que na Inglaterra encerravam nas Casas dos Pobres os desnudados de terras e de posses, forçados a trabalhar dia e noite com um único móbil, o enriquecimento dos patrões. Ou dos seus sucessores em plena ditadura salazarenta, que açulavam a polícia a perseguir os habitantes da serra da Estrela, operadores de teares manuais em suas casas, atormentando-os com a extorsão, o roubo e a prisão para eliminar a concorrência e obter mão-de-obra dócil e a baixo custo para a indústria têxtil.
Foi gente de semelhante estirpe que, nas colónias africanas, maquinou o imposto de palhota, destinado a acorrentar a população. Sobre a habitação tradicional, construída pelos próprios na sua terra, passou a incidir um imposto, para que lhes fosse consentido habitá-la! As autoridades, raivosas face à autonomia das populações, assente na economia de subsistência que o uso ancestral das férteis terras comunitárias lhes permitia, decidiram inverter a situação. Para isso fizeram uso de um hábito tão velho quanto o Estado, a imposição do imposto. E semelhante rapina teria fatalmente de ser satisfeita em dinheiro. Na ausência do vil metal só restava àquelas esbulhadas gentes uma saída, o trabalho nas plantações coloniais, a venda da força de trabalho a baixo custo, para conseguirem o dinheirame infligido pela canga fiscal.
Estavam criadas as novas vítimas da sociedade mercantil, subitamente envolvidas na espiral da necessidade de algo que até ali desconheciam, o dinheiro e a sociedade da mercadoria que o impõe. Tratou-se, de facto, de um importante passo naquilo que a desvergonha reinante classifica como um acto civilizador. Acresce que essa intriga foi montada na ausência da escravatura, (falsamente) extinta no início do século XIX: o salariato, a escravatura moderna, envolvia toda a humanidade.
Nos dias de hoje somos acossados pelos mandarins hodiernos cada dia com mais impostos, chupistas do fruto do nosso trabalho, quando o alcançamos: não satisfeitos com o saque generalizado sobre as carteiras do forçado contribuinte, os sobas em exercício resolveram recriar o imposto de palhota. Sem a imposição do trabalho assalariado, face à sua raridade, mas com as mesmas perversidades. Ou seja, o temor do amo, que flagela os seus servos com a imolação da precariedade e do desemprego, o pavor do cobrador de impostos, ou a concorrência entre desgraçados e a obediência suportada pelo medo.
A última trapaça dos novos caudilhos é o abrutado aumento do imposto sobre a habitação, o IMI. Num país onde a política habitacional, favorável à especulação imobiliária e à ganância bancária, impede a criação de habitação para aluguer, quase todos são proprietárias, embora apenas da casa onde residem. Todos estes proprietários, com dificuldades crescentes para o pagamento da prestação mensal ao banco, cada dia maior face aos salários aceleradamente reduzidos, deparam hoje com um novo pagamento, o actualizado IMI, que os “nossos queridos líderes” decidiram aumentar para meio por cento do valor matricial da habitação.
E isto representa muitas centenas de euros, nada menos que 500 euros anuais por cada 100.000 euros do valor do registo da habitação. Imagine-se uma casa adquirida por 150.000 euros: pois, agora, os seus “proprietários” terão de pagar um imposto anual de nada menos que 750 euros – embora, devido à queda do preço especulativo do imobiliário, seja actualmente atribuído ao apartamento um valor de cerca de 90.000 euros. Estamos, ou não, em presença de um novo imposto de palhota, que nos obriga a cortar em despesas indispensáveis para podermos pagar aos bancos e ao estado?
Talvez a grosseria do 1º ministro faça assim algum sentido e deva ser levada à prática. Não disse ele que “o desemprego é uma magnífica oportunidade para o desempregado”? Aceite a premissa, é preciso levá-la até às últimas consequências. Num mundo em que o trabalho assalariado escasseia, talvez seja chegada a altura de lhe por fim. Ao trabalho, que raramente coincide com a actividade que cada um gostaria de exercer, e à opressão que lhe dá origem.
E imponha-se ao Dr. Coelho a sua receita. Que abandone o cargo, mergulhe no desemprego, descubra esse mundo de oportunidades de que fala e deixe-nos em paz. E não se esqueça de levar consigo todos os seus parceiros das mais variadas colorações partidárias, que nos exploram e oprimem, com o IMI, a crise e demais invencionices com que estrangulam as pessoas para que os bancos e os seus apêndices lucrem e sobrevivam.
Mas desta vez não vá bater à porta dos amigos capitalistas para o mimarem, como fez após terminar a licenciatura aos 30 e muitos anos (até aí sem registar qualquer actividade profissional…) quando, num assombroso reconhecimento dos seus méritos, foi nomeado administrador de 4 empresas.
Assim não vale, Dr. Coelho!

Sem comentários: