quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Democracia, afinal do que se trata? Texto distribuido no Vamos à Luta 2010

DEMOCRACIA, AFINAL DO QUE SE TRATA?

Todos os políticos nos provocam constantemente com esta a palavra, democracia. Recordemos que este vocábulo significa o poder do povo. Será este poder aquele em que vivemos? Este conceito tornou-se usual a partir da Revolução Francesa de 1789, quando o povo conseguiu dar um enorme passo, depois estendido por toda a Europa. Tratou-se do derrube da monarquia absoluta, durante a qual o rei todo-poderoso, dominava e explorava as camadas populares a seu bel-prazer, com o apoio e benefício da aristocracia que o rodeava. Nessa altura, a burguesia estava numa ascensão necessariamente oposta e em conflito com os interesses da aristocracia dominante. Nesse contexto invocava-se junto de todo o povo a célebre trilogia, Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Mas, desde logo se constatou que essa aspiração, presente na proclamação de muitos dos principais mentores do movimento, era impossível, ou seja, o estabelecimento duma igualdade ideal, no seio da desigualdade material.

Um dos fundamentos desta democracia é a Igualdade. Mas trata-se apenas da igualdade perante os direitos políticos, traduzida fundamentalmente no voto. O homem oprimido socialmente, explorado economicamente, esmagado e que sofre, não existe perante uma ilusória liberdade política. Enquanto não conseguir a igualdade económica e social, a igualdade política será uma mentira. A igualdade e liberdade democrática existente, é apenas política, por isso constitui uma base de dominação dos poderosos sobre o povo.

Tais princípios conduziram ao absurdo actual. Hoje, na Europa, as medidas mais importantes, que condicionam a vida de todos nós, nem sequer são legisladas pelos deputados de cada país, mas sim pelos comissários, pelos lobys e através das pressões das grandes empresas, junto dos decisores da União Europeia. É em Bruxelas, que as mais importantes políticas económicas, laborais, ambientais, de consumo e de toda a ordem, são tomadas. E não por indivíduos que tenham sido eleitos, mas sim por essa gente não eleita pela população, como, por exemplo, o chefe deles, o Durão Barroso. Este fulano não foi sequer eleito pelos europeus. Junto da União Europeia estão representadas as principais empresas e sectores económicos do continente, que pressionam, quando não ordenam, aquilo que deve ser feito para que sejam adoptadas as melhores políticas que lhes facilitem a segurança e a obtenção de lucros. A União Europeia é, sem a menor dúvida, o conselho de administração do capitalismo europeu e não a União dos Povos Europeus.

Mas ainda que a burocracia europeia tivesse sido eleita, que credibilidade oferecia? Por exemplo, já se viu um político profissional desempregado, a caminho do centro de emprego? Há algum político na situação de trabalhador precário? O que se torna indispensável a esta organização social existente é sancionar os profissionais da política, ou seja, aceitá-los, quantas vezes como um mal menor, como os chatos provenientes de uma noite de prazer sem cautelas, ou seja, é preciso votar. Votem num ou votem noutro, mas votem. Votem no Tretas, votem no Cartolas, votem no Boa Vida. Votem!. Lá vem a campanha de evangelização, que somos obrigados a pagar e a aturar. Cartazes, aventais, papelada colorida, apostolado televisivo, lixo de toda ordem, noite e dia, prendem-nos a atenção a cada instante. As gentes comentam o valor das promessas feitas; não que ignorem que jamais serão cumpridas, mas para ficarem com um pouco de ilusão Vão aos encontros com os candidatos e escutam o orador que trincha fatias de felicidade e debita pequenos pacotes de reformas.

É esta a igualdade que é reconhecida à população, um acto político, constituído pelo sufrágio universal, directo e secreto. Quanto a tudo o resto, nem é bom falar. Para os fulanos do poder é completamente inconveniente que exijamos a democracia no trabalho e a igualdade de facto.

Nesta suposta democracia, a subordinação do poder político aos interesses económicos assume, hoje em dia, um despudor evidente. Por isso se fazem as leis que mais interessam aos capitalistas (alcunhados de empreendedores e empregadores), subordinam-se totalmente os trabalhadores aos interesses do capital, como nas situações da precariedade, da polivalência, do desemprego, dos baixos salários, da intensificação dos ritmos de trabalho, do autoritarismo patronal e da flexibilidade. A passagem de político a gestor do capital, assim como o percurso inverso, é prática corrente. Acompanhando tudo isto, a máquina de propaganda do estado enverga a camisola dos capitalistas, para nos converter ao seu credo do domínio e da exploração. Semelhante rumo é o melhor para todos nós, o único que podemos seguir, urram os evangelizadores de serviço a todo o instante. A crise não permite outra coisa, senão sacrifícios ao povo, garantem-nos os profissionais da política, acolitados pelos mercenários da caneta ao seu serviço. É esta mesma malta que, enquanto isso, gaba os aumentos dos lucros dos bancos e não é parca em elogios para uma empresa “portuguesa” que faça negócios noutro país. Mas, convém perguntar, o que está em Portugal é de todos os portugueses?

Nesta democracia, a participação do povo na actividade política, onde se forjam as medidas que nos infernizam a vida, é dissuadida e, se acaso pretendemos apresentar alternativas a esta organização social e económica, somos ignorados e caluniados. No caso de escaparmos “à voz do dono”, e apresentarmos um qualquer projecto alternativo, podemos contar com uma certeza. Jamais tais propostas irão aparecer nos meios audiovisuais dominantes, seremos ignorados e hostilizados, embora nos garantam que, nesta bizarra democracia, está garantida a liberdade de informação.

Quanto ao acto eleitoral, há outros aspectos bem curiosos. São realidades que os poderes dominantes procuram cuidadosamente escamotear. Por razões evidentes os poderes do espectáculo montado para anestesiar as nossas consciências, afastam para um qualquer music-hall permanente semelhantes realidades. Como seja o facto de os partidos políticos, além de receberem consideráveis maquias pagas fundamentalmente através dos impostos dos assalariados, se terem apoderado da traquitana do estado. Só os partidos detentores do monopólio do poder político, se podem candidatar às eleições. Mais ainda, nesta espantosa democracia, quando se apresenta, um candidato exibe um programa. O que vale semelhante rol de promessas? Desde logo, poucos são os que o lêem e menos ainda os que o compreendem. De semelhante rol programático avultam, em geral, 2 ou 3 ideias ou promessas básicas. O eleitor, baseado nas tais ideias base, escolhe, por hipótese, o partido B e vota nele.


Pergunta-se, entre uma enormidade de matérias, é alguma vez possível que o candidato do B, pelo distrito A, saiba tudo aquilo que vai debater nas suas funções? Desde obras portuárias a supositórios, de guerras a sabão líquido, de jardins públicos a desporto de alta competição, de alimentação açucarada a passes sociais, de tuberculose a caminhos-de-ferro? Isto tudo, como exemplo reduzido. Não sabe mas vota, da forma que o chefe lhe ordena. Dizem-nos que, nestes casos, o deputado é apoiado por especialistas. Para que serve ele então, nesse caso? Deste modo, também o povo poderia seguir, e de melhor forma, semelhante percurso, não só em situações desse tipo, como também nas grandes áreas económicas e sociais e nas empresas. Neste domínio, uma outra questão se coloca, o eleitor, quando vota, sabe o que é que vai ser feito nessa multiplicidade de domínios? Naturalmente que não, terá que confiar no sujeito em quem vai votar. Mas ele também ignora quase todos os assuntos. E se, como é habitual, o sujeito eleito não cumpre com o prometido, no exercício das suas funções? Tudo isto não é completamente absurdo?

Perante este panorama, os democratas de fachada apresentam-nos uma só solução. Na próxima eleição votem noutro candidato. O que significa o seguinte. O cidadão eleitor, na única igualdade que lhe é concedida, a de votar, só tem uma coisa a fazer. Votar e calar-se durante quatro anos. Nesse período, mesmo perante as maiores tropelias dos seus eleitos, nada pode fazer senão aguentar. Quatro anos passados, chovem de novo as promessas e aí vai ele.


É esta a democracia que nos consentem!



Texto distribuido na iniciativa Vamos à Luta a decorrer às quintas-feiras pela 17 horas no Largo de S. Domingos em Lisboa (frente à Ginginha).