segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Lisboa e os pândegos do poder

LISBOA E OS PÂNDEGOS DA CONTRADANÇA DO PODER

Calcorreio sem pressas as ruas do centro da minha cidade, e o afecto que há muito nos une é acompanhado pela mágoa perante a decadência que, desde há largas décadas, corrói a nossa celebrada urbe de Olissipo. Sentimento agora acompanhado por uma mescla de aflição e agonia, submerso sob os efeitos da pândega provocação dos aspirantes a caciques da capital.

Aproximam-se as eleições autárquicas,  a caça ao voto e o chamamento à ingenuidade do “amigo eleitor” proliferam. Abundam os cartazes de todos os tamanhos, ricamente coloreados, onde desbocadamente são alardeadas as carantonhas mais desvairadas  dos diferentes herodes em concorrência e as sentenças mais estrambólicas, mas todas elas evidenciando algo em comum, não dizem nada!

Percorro a planura das ruas da Boavista e de S. Paulo, onde a flagrante ruína da maioria das construções torna evidente que as guerras urbanas não  aconteceram apenas em cidades vítimas de conflitos bélicos,  como Zagreb, Belgrado ou Beirute.  Também as ruínas de Lisboa e o omnipresente  naufrágio citadino que nos cerca, patenteiam  o conflito que os capitalistas e os seus aliados da política travam contra os moradores da cidade. As rendas antigas são baixas, aumentem-se! Eis a solução desta gente e dos seus amestrados tri-doutores. Enquanto isso, os prédios são votados ao abandono na esperança vã de uma  retoma que valorize a idolatrada propriedade privada  dos terrenos.   E, com esses imóveis, são abandonados quem neles procura sobreviver, por entre quedas de paredes e de  escadas, de ratos e soterramentos.

Por fim, chego ao Cais do Sodré, aí aguarda-me uma praga de cartazes eleitorais, a par de uma nuvem de ensurdecedores veículos que, qual zangões furibundos, procuram ultrapassar-se uns aos outros, perante o pavor dos aflitos peões e o ar carrancudo dos chamados agentes da ordem, neste caso, agentes de estridentes silvos geradores de desordem sonora.

Mesmo à minha frente, perfila-se no seu cartaz, exibindo um forçado sorriso de fancaria, um sujeito gordo e careca que, enroupado no tradicional fato e gravata, fardamento oficial dos políticos de profissão,  ameaça, “Com os dois pés em Lisboa”. É um tal Seara que, receio bem, pretenda espezinhar os lisboetas, com os dois pés, só um, ou mesmo a quatro patas. Dissimulados a um canto, meio envergonhados, deparo com os símbolos partidários deste sujeito, do PSD/CDS que, perante aquilo que esta gente chama o desgaste do poder, ou seja, o bem visível  rol de promessas não cumpridas inerente a todos os governantes, lança-nos um olhar de carneiro mal morto, enquanto se afadiga no peditório eleitoral.

Logo ao lado, mira-me um outro sujeito. Também este enverga a farpela obrigatória, mas   faz gala na sua profusa trunfa, alva como a  neve, e na tez bronzeada. Ostenta um sorriso pisa-mansinho, a exemplo do seu colega do lado, e a sua fisionomia de bom rapaz-trabalhador, encimada por um olhar pouco transparente, onde o que não parece é e o que é não  parece, deixam perceber um apetite mal contido. Talvez o de um Obama à moda da Madragoa.

Trata-se do Costa, o actual manda-chuva camarário que, carregando uma longa experiência de manhas políticas, nos surge mais adiante num outro cartaz publicitário. Aqui, acompanhado de uma bem nutrida jovem, envergando um fatinho à marujo, assegura-nos que “juntos fazemos Lisboa”, deixando no ar uma enorme dúvida. Quem serão estes “nós”? Ele e a sua colega de partido, disponíveis, por exemplo, a abrir valas na Avenida das Naus, em remodelação ali ao lado? Ou ele e os restantes lisboetas, empunhando gigantescas vassouras, indispensáveis à limpeza de toda a imundice politiqueira e prestamista que emporcalha a nossa cidade? Ou ainda,  toda a edilidade lisboeta, disponível para almofadar o percurso dos especuladores e demagogos que nos atordoam? Com quem convida o Costa a juntar-mo-nos?

Embebido nestas reflexões prossigo o meu percurso, esperançado em encontrar por fim alguma clareza nas proclamações dos candidatos a caciques da cidade, e eis que ali ao lado deparo com um cartaz em formato mais reduzido, da CDU. Como quem diz CDU, diz PCP e os seus companheiros de jornada eleitoral, pergunto-me,  será que, finalmente, através do partido comunista, vou encontrar um apelo, não direi revolucionário, mas ao menos com algum conteúdo explicito?

Nada disso, a moda de substituição dos seus velhos slogans, tipo “Os eternos valores de Abril”, ou talvez mesmo, “Em frente pela Reforma Agrária”, também chegou a estas a bandas. O que encontro é um desconhecido sujeito de ar simpático e asséptico que nos augura “Lisboa, cidade para todos”, em que o máximo da contestação que nos oferece, é o facto de ter despido o casaco, acção bem tolerável pelo cinzentismo dominante, face ao calor estival que se faz sentir. De facto, pôs-se em mangas de camisa para proferir uma frase absolutamente inócua,  merecedora de um lugar de honra na classificação dos maiores lugares comuns da nossa língua, a par de infantilidades tipo,  “O mar para todos os peixes”.

Prossigo o meu percurso, embebido em pensamentos pouco abonatórios face aos profissionais da política e quando dirijo o olhar para o outro lado da Praça, deparo com um enorme cartaz publicitário do Bloco (Berloque ?) de Esquerda, que proclama em letras garrafais “Tudo o que foi roubado tem de ser devolvido”.

Perante este alvedrio eleitoralista, logo uma questão me ocorre. A que roubos se referem estes patuscos? Será aos da exploração, de que todos os assalariados somos vítimas? Ou àqueles conduzidos pelos vários chefes de todos os calibres que, das mais badaladas às mais obscuras repartições do estado, nos obrigam a labutar para lá do horário de trabalho? Ou será ainda, que se referem à venda a preço de saldo de empresas estatais  aos cúmplices da mesma pandilha? Mas, pergunto eu, essas empresas eram propriedade do povo português e são os seus trabalhadores quem decide as suas estratégias e gere o chamado sector empresarial do estado?

Quantas perguntas, quanta ausência de respostas. Que também não encontro num outro painel publicitário, cujo slogan bloquista decreta,“Queremos Lisboa viva, habitada, solidária”. Óptimo, dizemos todos, incluindo o varredor municipal e o banqueiro, tal como não deixarão de apoiar qualquer outra expressão igualmente vazia de conteúdo. Como, por exemplo, “Queremos que todos os portugueses tenham uma casa com piscina e passem férias de dois meses num destino à sua escolha”. Pela minha parte, apoiaria inteiramente, e, já agora, formulo um outro desejo, “Queremos que os simuladores da política se retirem para uma actividade decente”.

Enfim, encontro-me completamente elucidado sobre as insultuosas habilidades destes farsantes mas, ao afastar-me rumo a um destino mais salubre, ainda deparo com um derradeiro reclame, o do MAS, que um politólogo (ou palitólogo?) de ocasião, me esclareceu tratar-se do Movimento Alternativa Socialista, um bando de lunáticos que, alumiados pelo pensamento de Trotsky, abandonou o Bloco de Esquerda em busca de alguns simplórios para os converter aos desumanos sacrifícios, do seu único e sacrossanto chefe burocrata reconhecido, o estatista que, entre outras crueldades, teorizou e transformou os sindicatos em meras correias de transmissão do seu partido bolchevique e comandou o assassínio a tiro e canhonazo dos camponeses revolucionários de Makhno, na Ucrânia, e dos operários e marinheiros da cidade revolucionária de Kronstad. 

Pois bem, esta anacrónica caterva também resolveu fazer prova de vida neste penoso carnaval eleitoral. “O euro afunda o país. Referendo já”, exigem, numa caricata tentativa para extorquir dividendos do empobrecimento e desencanto popular, mas sem que um único desarrincanço, uma simples ideia consistente, alumie tão vetustas mentes. Apenas lhes ocorreu, como se a história fosse possível de rebobinar, um regresso a um passado de há  40 anos atrás, ou seja, pedir uma repetição do golpe militar contra a ditadura. Por isso papagueiam, “Faz falta um novo 25 de Abril”. Enfim, com contestatários destes, bem podem os banqueiros e  políticos dormir descansados.

Foi já junto às margens, por agora tranquilas do Tejo, debruçado sobre o parapeito de pedra que me separa das suas serenas águas estivais, que concluí, com o mar da Palha ao fundo e o apito de um cacilheiro que se aproxima do cais, que as eleições à portuguesa além de sensaboronas e repetitivas, dão-nos uma outra dimensão da crise com que os “donos de Portugal” diariamente nos ameaçam. A da crise de valores e de imaginação.

Perante a acefalia reinante entre os mais diversos senhoritos da política, nada melhor do que  não fazer ondas. Nem esquerda, nem direita, nem sequer centro, o melhor, consideram, é falar a uma só voz e ninguém dizer nada. E assim, temos uma cáfila de gente do mando que  ignora completamente o povo que se arroga querer representar. Nem sequer aparecem as costumeiras promessas, agora ausentes de todos os cardápios, tal como as picarescas questiúnculas entre a direita e a esquerda. As ideologias fugiram para parte incerta, com todos os candidatos igualizados  pelo mesmo nível, o mais baixo da escala.

É a gente deste calibre que a idiotice eleitoral vai entregar os destinos das suas cidades, vilas e freguesias, como se um rebanho de ovelhas pudesse optar entre os candidatos a pastor mudos e paralíticos. Mas, dotados de um poderoso auxiliar, o cão. Tal como os “nossos” políticos, bem servidos pelo cão, polícia ou à paisana.

    

  

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